A Lei nº 4.864, de 1965, permite a
cobrança de juros nas vendas de imóveis com pagamento parcelado,
inclusive durante a construção, mas, apesar da previsão legal, tal
prática passou a ser questionada em juízo a partir do final da década de
1990.
No
Superior Tribunal de Justiça (STJ) há três julgados sobre a matéria,
dois pela eficácia da cláusula de cobrança de juros nas promessas de
venda com pagamento parcelado, dada a previsão legal (REsps 379.941-SP e
662.822-DF), e um em sentido contrário, pela abusividade (REsp
670.117-PB). Neste último caso, divulgado recentemente, o relator
considera que o parcelamento do preço nas promessas não caracteriza
“financiamento”, destacando em seu voto que “a cobrança de juros não
prescinde da existência de um financiamento ou de um valor emprestado, o
que inexiste no caso da promessa de compra e venda ora em debate nos
autos”.
Nos
tribunais regionais, a divergência trilha três caminhos distintos: uma
corrente reconhece a eficácia da cláusula, em razão do fundamento legal;
outra considera abusiva, sustentando que, enquanto o imóvel está em
construção, o adquirente ainda não está usando capital da incorporadora.
Uma outra corrente, salomonicamente, admite a incidência dos juros
durante a obra, mas somente sobre a parcela do preço correspondente aos
investimentos anteriormente feitos pelo incorporador, notadamente em
relação à fração ideal do terreno, considerando que, sobre essa parcela,
a incorporadora faz jus a juros remuneratórios.
A
par das controvérsias submetidas ao Judiciário, empresas incorporadoras
de algumas regiões do país firmaram Termos de Ajustamento de Conduta
(TAC) com o Ministério Público comprometendo-se a não cobrar juros sobre
as parcelas vencíveis durante a construção.
Incorporadoras comprometeram-se a não cobrar juros durante a construção
Diante
disso, de uns anos para cá tornou-se prática generalizada a abstenção
de cobrança de juros durante a construção nessa espécie de contrato e,
assim sendo, os litígios que poderão ocorrer daqui por diante
restringir-se-ão a contratos antigos, em relação aos quais, entretanto,
já há decisões pela prescrição (TJ-RJ, apelação 2009.001.68118, STJ,
AgIn 1.327.627).
Sob
essa perspectiva, portanto, a questão parece superada, mas não se pode
perder de vista que a diversidade de tipos contratuais admitidos na
comercialização de imóveis nas incorporações imobiliárias exige
interpretação diferenciada, compatível com seus distintos regimes
jurídicos.
Por
exemplo: a venda ou promessa de venda de fração ideal de terreno, com
pagamento parcelado, conjugada com contrato de construção, comporta
incidência de juros sobre o preço da fração, mas não sobre o preço da
construção (quando paga com recursos próprios do adquirente), pois neste
caso a retribuição do construtor não é representada por juros
remuneratórios, mas, sim, pela taxa de administração ou pelo preço da
empreitada.
Já
o financiamento bancário para compra ou construção, também empregado
nas incorporações, é necessariamente remunerado por juros
compensatórios, mesmo durante a construção.
Essa
operação é típica do mercado financeiro, espécie de mútuo, no qual o
juro é elemento da natureza do contrato por definição legal do artigo
591 do Código Civil.
Atualmente,
essa espécie de contrato é empregada com frequência, ancorada na
reformulação legislativa introduzida pelas Leis 9.514, de 1997, e
10.931, de 2004, que impulsiona a recente expansão do crédito
imobiliário. Na prática, as operações são estruturadas mediante
celebração de três contratos num único instrumento: um contrato de
financiamento, um de compra e venda e um de garantia, hipotecária ou
fiduciária. Por efeito dessa operação, os adquirentes tomam
financiamento e pagam o preço à incorporadora esses recursos. Pode
ocorrer que, ao promover as vendas, a incorporadora já tenha,
anteriormente, tomado financiamento e, nestes casos, os adquirentes, ao
efetivar a compra, se sub-rogam nos direitos e obrigações do
financiamento original, na proporção do crédito atribuído às unidades
imobiliárias adquiridas.
Em
qualquer desses casos, o valor do financiamento tomado durante a
construção é entregue parceladamente à incorporadora ou à construtora,
como contraprestação da execução de cada etapa da obra. Esse valor é
debitado aos adquirentes, porque estes é que terão tomado o
financiamento ou se sub-rogado no financiamento original, e sobre eles
são devidos juros pelos adquirentes, mesmo durante a obra.
O
legislador do Código Civil de 2002, atento a essa estrutura
operacional, fornece meios para sua regulamentação, ao prever
especificamente, no artigo 1.488, o desmembramento da garantia e do
crédito nos financiamentos dos loteamentos e incorporações, do qual
resulta a sub-rogação dos adquirentes no financiamento da construção, na
proporção das unidades adquiridas.
Nessa
estruturação, e nos novos instrumentos criados pela recente
reformulação legislativa, notadamente a alienação fiduciária de imóveis e
a cédula de crédito imobiliário, os juros são exigíveis porque
constituem remuneração de financiamento.
São
novos mecanismos que constituem uma ponte entre a moderna incorporação
imobiliária e os mercados financeiros e de capitais, a reclamar
interpretação compatível com a estrutura e função do tipo contratual
empregado, pois, como é elementar, não se pode tratar indistintamente
espécies contratuais de natureza diversa.
Fonte: Valor Econômico
Atualmente,
um assunto que se encontra em voga no mercado imobiliário é a questão
envolvendo os juros cobrados nas vendas de imóveis na planta.
Conforme se verificou acima,
inicialmente, clamou-se questionamentos acerca da legalidade ou
abusividade desta prática, visto que nem todos os casos encontravam-se
amparados pelo estrito cumprimento da boa-fé por aquele mais bem dotado
de recursos financeiros da relação.
Questionou-se
muito, ainda neste cenário, o fato dos contratos conterem inúmeras
cláusulas consideradas abusivas, que passavam despercebidas aos olhos
dos adquirentes, o que, posteriormente, seria objeto de inúmeras
celeumas entre os contratantes.
Em contrapartida, minimamente
sairia prejudicada desta relação a Empresa quando do atraso na entrega
do imóvel, por exemplo, o que geraria, em regra, inúmeros prejuízos ao
futuro morador.
Após as verificadas decisões
divergentes, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça considerou legal
a cobrança de juros em prestações de imóveis comprados na planta antes
da entrega das chaves.
A polêmica decisão gerou questionamentos diversos, muitos negativos,
como ter sido considerada um retrocesso e até mesmo prejudicial aos
consumidores.
Algumas construtoras, no estado de São Paulo, por exemplo, já vinham se
adequando e deixando de fazer a cobrança, e tal permissão, segundo o
presidente do Procon-SP, Paulo Arthur Góes, coloca "em terra" os avanços
alcançados. Ele acrescenta, ainda, que "a situação promove um
desequilíbrio no contrato em favor das empresas e desfavorável ao
consumidor".
Entretanto, apesar das opiniões negativas, e de muitos terem protestado
contra a prática deste tipo de cobrança de juros, o presidente do
Sindicato da Habitação (Secovi-SP), Cláudio Bernardes, menciona que a
não cobrança dos chamados "juros no pé" (nome dado à incidência de juros
antes da entrega das chaves do imóvel) virou uma espécie de modelo no
cenário imobiliário, e possivelmente não irá mudar, visto que, quem não o
cobrava, embutia o valor do preço cobrado. Segundo ele, a vantagem da
decisão é "uniformizar o procedimento".
Portanto, diante desta alegação, verifica-se que mesmo a decisão ter
sido "favorável" às Empresas, estas já procediam com a prática de tais
juros embutidos no valor do imóvel, o que não se configura uma prática
abusiva, já que o valor total do imóvel estava exposto a quem quisesse
adquirir, bastando somente o ato volitivo do consumidor em
comprometer-se em comprar o imóvel, ou não.
Alimentado por: Gabriela Pereira